sábado, 10 de maio de 2008

Introdução

A sexualidade humana se manifesta por meio de padrões culturais historicamente determinados.

No Brasil ela é marcada por claros antagonismos e concilia valores morais como a virgindade e a castidade à exaltação da sensualidade carnavalesca. Além disso, diversos discursos morais e ideológicos sustentam a intolerância diante de comportamentos, práticas e vivências da sexualidade que não estão em conformidade com o padrão heterossexual e patriarcal da nossa sociedade.

Esses opostos se refletem na dinâmica social contemporânea do País. O Brasil, mesmo agrupando o maior número de pessoas em paradas do orgulho GLBT no mundo – três milhões de pessoas participaram da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo em 2007 –, ainda é uma sociedade marcada por altos índices de violência e de violação dos direitos sociais por motivo de orientação sexual não heterossexual e identidade de gênero discordante ao sexo biológico.

Estima-se que, a cada três dias, um cidadão GLBT seja assassinado no País.

Um Estado democrático de direito não pode aceitar práticas sociais e institucionais que criminalizam, estigmatizam e marginalizam as pessoas por motivos de sexo, orientação sexual e/ou identidade de gênero. A prática sexual entre adultos do mesmo sexo é um direito de foro íntimo, bem como o é a apresentação social do sentimento de pertencimento a um determinado gênero, independente do sexo biológico. O arbitrário rebaixamento moral de GLBT – que sustenta a homofobia – associa as práticas homoeróticas e as apresentações sociais de gênero discordantes do sexo biológico ao desvio moral de conduta.

Essa idéia de desvio moral ou anomalia social priva essas pessoas dos direitos de ir e vir, da liberdade de expressão e associação, do livre desenvolvimento da personalidade, da autonomia e dignidade, além de comprometer os direitos sociais à saúde, ao trabalho, à educação, ao emprego, ao lazer, e à segurança privada e pública.

O avanço na promoção da cidadania de GLBT requer o reconhecimento do direito sexual como direito humano. Essa discussão teve início no debate sobre violência sexual e da saúde reprodutiva das mulheres e atinge, agora, outros atores sociais que sofrem violação de seus direitos devido à sexualidade, como GLBT e profissionais do sexo.

A consideração Bioética das novas tecnologias e intervenções sobre os corpos também é fundamental para a garantia de diversos direitos de cidadania. O compromisso ético-político com a superação dos processos de estigma e marginalização de GLBT requer o questionamento de medidas correcionais – tratamentos curativos para a homossexualidade, travestilidade e transexualidade – e a democratização dos benefícios decorrentes dos avanços tecnológicos, como, por exemplo, as novas tecnologias de reprodução humana assistida.

O desafio que se coloca ao Estado brasileiro é o da mudança de valores e representações sociais, e também das dinâmicas institucionais que violam sistematicamente os direitos de GLBT, já que muitas vezes o próprio estado é um dos principais violadores de direitos. Um esforço que requer a articulação entre sociedade civil organizada, academia e a gestão das políticas públicas com o objetivo de resgatar esses sujeitos de um quadro alarmante de exclusão e prejuízo social rumo à inclusão e ao pleno exercício e gozo da cidadania.

A Constituição Brasileira de 1988 foi um marco histórico, jurídico e ético-político. Ela criou condições para o aprofundamento das discussões e ampliação das mobilizações sociais, além de propiciar a adoção de medidas institucionais voltadas para garantir a construção de uma cultura em defesa dos direitos humanos e do respeito às diversidades, afirmando a heterogeneidade e a pluralidade como valores nacionais.

No entanto, a garantia desses direitos constitucionais não atinge, na realidade cotidiana, várias parcelas da população. Pessoas estão vulneráveis aos processos de exclusão social devido a fatores como condição sócio-econômica, regional, de idade, gênero, etnia, cor, e também populações em situação de rua, em situação carcerária, pessoas com deficiência físico-mental, idosos, dentre outros. A orientação sexual e a identidade de gênero devem ser compreendidas como condicionantes e determinantes da situação de vida das pessoas na sobredeterminação a esses outros fatores de vulnerabilidade.

Os movimentos sociais organizados se pautam principalmente na denúncia e no enfrentamento às discriminações e injustiças, buscando reafirmar e garantir os direitos humanos e sociais para os diferentes grupos. A população GLBT também vem se organizando e alcançando visibilidade em vários eventos de repercussão nacional, como também na inclusão do tema nas agendas de representantes do legislativo e de governos sensíveis às questões sociais. Uma mobilização que vem ascendendo fortemente no Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) em 2005 foram realizadas 75 paradas em diversas localidades do País, passando para 102 em 2006 e para 300 em 2007.

Essa ampla mobilização social – conseqüência da crescente organização do movimento GLBT no Brasil – abriu espaços governamentais para a discussão de estratégias de enfrentamento aos processos discriminatórios. Um claro exemplo foi a experiência, no início da década de 1990, que propôs política pública específica a GLBT no campo da segurança pública. Foi a criação do Disque Defesa Homossexual (DDH), da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, com a função de receber denúncias e defender os direitos dos cidadãos, através da articulação entre o sistema de polícia e a comunidade. Uma iniciativa de grande relevância, pois, até então, os dados de violência contra GLBT no Brasil eram apenas os notificados pela mídia, e que passaram a ser sistematizados e divulgados por dossiês publicados pelo Grupo Gay da Bahia a partir da década de 1980.

O DDH e as mais recentes pesquisas com amostras populacionais nas Paradas do Orgulho GLBT– articuladas em parcerias entre entidades da sociedade civil, academia e o governo federal – revelaram o caráter amplo e silencioso da homofobia. Uma prática discriminatória que permeia campos cotidianos da vivência de GLBT, como a família, a vizinhança, a escola, o trabalho,

partilhando – na maior parte das vezes – agressor e vítima da mesma rede social. Delegacias de polícia, centros de saúde e espaços de lazer também são mencionados como ambientes marcados pela homofobia. Travestis e transexuais aparecem como os segmentos mais vulneráveis às agressões físicas e verbais.

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